NAMORO
O melhor do namoro, claro, é o ridículo. Vocês dois no
telefone:
-
Desliga você.
- Não,
desliga você.
- Você.
- Você.
- Então
vamos desligar juntos.
- Tá.
Conta até três.
-
Um...Dois...Dois e meio...
Ridículo agora, porque na hora não era não. Na hora nem os apelidos
secretos que vocês tinham um para o outro, lembra?, eram ridículos. Ronron.
Suzuca. Alcizanzão. Surusuzuca. Gongonha. (Gongonha!) Mamosa. Purupupuca...
Não
havia coisa melhor do que passar tardes inteiras no sofá, olho no olho,
dizendo.
- As
dondozeira ama os dondonzeiro?
- Ama.
- Mas
os dondonzeiro ama as dondonzeira mais do que as dondonzeira ama os
dondonzeiro.
-
Na-na-não. As dondonzeira ama os dondonzeiro mais do que etc..
E,
entremeando o diálogo, longos beijos, profundos beijos, beijos mais do que de
língua, beijos de amígdalas, beijos catetéticos. Tardes inteiras. Confesse:
ridículo só porque nunca mais.
Depois
do ridículo, o melhor do namoro são as brigas. Quem diz que nunca, como quem
não quer nada, arquitetou um encontro casual com a ex ou o ex só para ver se
ela ou ele está com alguém, ou para fingir que não vê, ou para ver e ignorar,
ou para dar um abano amistoso querendo dizer que ela ou ele agora significa tão
pouco que podem até ser amigos, está mentindo. Ah, está mentindo.
E
melhor do que as brigas são as reconciliações. Beijos ainda mais profundos,
apelidos ainda mais lamentáveis, vistos de longe. A gente brigava mesmo era
para se reconciliar depois, lembra? Oito entre dez namorados transam pela
primeira vez fazendo as pazes. Não estou inventando. O IBGE tem as
estatísticas.
Na
última briga deles, a Suzana conseguiu fazer chegar aos ouvidos do Alcyr que
estava saindo com outro. Um colega do trabalho. E o Alcyr fez a coisa sensata,
o que qualquer um de nós faria. Passou a espionar a Suzana escondido. Começou a
faltar a sua aula de especialização em ciências contábeis às 6 para ficar atrás
de uma carrocinha de pipoca, vendo se a Suzana saía do trabalho com o outro.
Rondava a casa da Suzana. Uma noite, uma sexta-feira, pensou ver a Suzana
entrar em casa com um homem - e não viu o homem sair da casa. Quatro da manhã e o Alcyr abraçado a uma
árvore, tremendo de frio, de olho fixo na porta. Todas as luzes da casa
apagadas e o Alcyr pensando, quase chorando: não pode ser, não pode ser. Como é
que o seu Amorim e a dona Laurita deixam? Eu, eles botavam na rua às onze e
meia. O outro, deixam dormir com a Suzana na sua própria cama. Porque a Suzana
só podia estar na cama com o outro. Àquela hora, não podiam estar mais no sofá,
ela chamando ele de Dondozeiro. Ou podia? Não podia. Podia, não podia, o Alcyr
não se agüentou, pulou a cerca, se agachou sob a janela da Suzana, bateu com o
joelho em alguma coisa, gritou, e quando o seu Amorim apareceu na porta dos
fundos e perguntou "Quem é que está aí?" tentou imitar um cachorro.
Não convenceu ninguém, claro, tanto que, dez minutos depois, estava sentado na
mesa da cozinha, tiritando, as calças sujas de barro, tomando o café da dona
Laurita com uma mão, e o outro braço em volta da cintura de Suzana. Sim,
reconciliados, abraçados, emocionados. Pois Suzana se enternecera com o ciúme
do seu Ipsilonezinho. Não havia outro nenhum, ela fora à farmácia com o pai, o
homem que ele vira entrar em casa com ela era o seu Amorim, bobo! Mas o que
realmente conquistara Suzana fora o ganido do Alcyr, tentando imitar um
cachorro. Só um homem muito apaixonado faria um ridículo daqueles. Em dois
meses estavam casados.
Até
hoje a Suzana conta a história do Alcyr ganindo no quintal, por mais que ele
peça para ela não contar. As crianças já cansaram de ouvir a história, os
amigos ouvem um pouco sem jeito. E a Suzana e o Alcyr não se tratam mais por
apelidos. Quando fala nele, ela diz "Esse daí". Mas que foi bom, foi.
Luís
Fernando Veríssimo.
VOCABULÁRIO
1) ENCONTRE, NO TEXTO, PALAVRAS QUE SIGNIFIQUEM:
a) equilibrada __________________b) uivo:
_____________________
c) tremendo: ___________________
2) O QUE O PERSONAGEM QUIS DIZER COM A EXPRESSÃO “QUE
HORAS TU LARGA”?
INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
1) O EXTREMO DO RIDÍCULO, SEGUNDO O NARRADOR FOI:
a) imitar um cachorro para não ser descoberto c) convidá-la para um chope e) transar para fazer as pazes.
b) abraçar uma árvore.. d)
apelidar a pessoa amada.
2) NO TEXTO, CONSIDERA-SE QUE O MELHOR DO NAMORO É O
RIDÍCULO ASSOCIADO
a) aos apelidos carinhosos. c) às mentiras inocentes. e) aos telefonemas intermináveis.
b) às reconciliações felizes. d) às brigas por amor.
3) O QUE É, SEGUNDO O NARRADOR DO TEXTO, MELHOR DO QUE AS
BRIGAS?
Nenhum comentário:
Postar um comentário